Por: João Tavares Calixto Júnior
Os anais do cangaceirismo nos
contam efantasticamente sobre os acontecimentos que beiram o surreal. Dentre
estes, alcandorado, o fato de os tabaréus possuírem um conhecimento empírico
extremamente apurado em alusão ao uso de plantas do lugar. A existência da “Farmacopéia
do Cangaço” é fruto de séculos de experimentações, e ainda que permeada por
erros e riscos, se mostrou adequadamente farta em utilidades às cabroeiras
errantes.
A absorção do valor medicinal das
plantas na caatinga é prática antiga, data do perpétuo domínio dos índios,
antes mesmo da invasão européia e das capitanias já abrasileiradas. Comprido
foi o tempo em que os itinerantes do cangaço unicamente se atearam a floris
medicinalis. Segundo Araújo e Fernandes (2005), para se ter uma idéia, os
cangaceiros só conheceram as propriedades do ácido-acetil-salicílico em 1929,
através do Capitão-Médico do exercito Eronildes de Carvalho, que ofereceu
um comprimido do analgésico para um bandoleiro com dor de dente.
Particularmente sobre a era
lampiônica do cangaço, foi dito por pouco mais de meio mundo de autores e
pesquisadores, sobre a existência de um médico naturalista atrelada à estampa
de Virgulino. Rumores inimigos!
Em Aglaê Lima (1970), por exemplo,
Lampião representava o cirurgião, clínico, ginecologista, parteiro e
até dentista do bando. Essa mesma idéia, portanto, é fruto da
imaginação recreativa de muitos, e da fantasia popular permeada
pela mítica do cangaceiro. “Praticavam extrações dentárias com pontas de punhais e
alicates. Em seguida bochechos de mandacaru. Raspa de juá evitava o
aumento da cárie" (ALMEIDA, 2006).
O escritor Antônio
Amaury, pesquisador dos maiores do assunto, colhe depoimentos de Dadá, também
algoz de bedéis do sertão, que declara desconhecer Lampião removedor de balas, amputador
de membros, parteiro em ocasiões complicadas ou muito menos arrancador de
dentes. “Arrancar um dente ainda não "amolecido" pela piorréia é trabalho
hercúleo (...)." É, portanto, balela afirmar ser lampião ou qualquer outro
cangaceiro "dentista".
Entrementes, não é incomum se
observar nas passagens, relatos de junção entre chás, lambedores, efusões,
emplastos e defumadores, além de benzeduras, simpatias e orações aplicados por
cangaceiros em busca de cura a seus achaques.
A farinha de mandioca, por
exemplo, além de alimento indispensável, ora era usada como emplastro, no
tratamento dos abscessos. Acreditava-se o emplastro quente com farinha, sobre
regiões inflamadas, evitar a lesão “vir a furo”. O fumo em pó,
sobre feridas abertas, evitava infecções secundárias, ovoposição de moscas
varejeiras e miíase. (ARAÚJO & FERNANDES, 2005). Para dor de cabeça, usavam-se folhas de algodão aquecidas e mascava-se gengibre. Contra faringite, o chá
de formiga e o gargarejo com sal era a cura. Para doenças reumáticas, banha de
capivara, chá de osso de jumento e carne de cobra cascavel. Para “fraqueza dos
pulmões” era o leite de jumenta pela manhã, e para prisão de ventre, o chá da
raiz de gitirana, retirada do nascente.
Quando alguém com asma, a banha
de ema era ingerida. Para mau hálito, mastigavam-se folhas da goiabeira branca
e se alguém atacasse por epilepsia, o chá de perna de garça era a solução.
Para lombriga, a erva de cruz, e impotência sexual, quando acusava, chá de
velame ou chá de cabeça de negro em jejum.
Segundo o ex-cangaceiro e
escritor Joaquim Góis, Lampião e seus “cabras” traziam como parte integrante do
seu “ carrego” uma botica improvisada com tintura de iodo, pó de Joannes,
água forte, pomada de São Lázaro, linha e agulha, algodão, um estojo de
perfumes com brilhantina, óleo extratos e essências baratas.
O Juá e a arnica eram elementos
sem igual para o tratamento de grandes traumatismos decorrentes de quedas,
acidentes, esmagamentos, facadas ou tiros. O emprego das cascas de jenipapo
nas luxações, fraturas e contusões, eram de comum prática. Em
traumatismo ocasionado por coice de burro usava-se emplasto de mastruço,
carvão moído e esterco de animal. O chá de quixabeira também era recomendado para
cicatrização (SERAINE, 1983). A raspa do pau de quixabeira era
misturada com álcool ou cachaça e ingerida ou colocada sobre o ferimento;
segundo os cangaceiros a ingestão dessa mistura reanimava e dava uma sensação
de força... (ARAÚJO & FERNANDES, 2005).
Relatos apontam ainda que, em
ferimentos à bala, aguardente, água oxigenada e pimenta malagueta seca, eram
introduzidos através do orifício de entrada. Sendo o tratamento doloroso ao
extremo, e mais angustiante do que a própria lesão, disseram alguns
sobreviventes que se ia ao céu e se voltava de lá..
Como em uma aula de fitoterapia
ou de botânica, botânica fanerogâmica, e sobre plantas de caatinga
sucintamente, citaram-se aqui, extraídas em parte do livro "Lampião,
Cangaço e Nordeste" de Aglaê de Oliveira, plantas da região que,
conhecidas e empregadas pelos itinerantes valentes das matas brancas e secas, e
não muito pela geração contemporânea, eram de uso uniforme. Destaca-se a
necessidade que se engendra de divulgar o potencial da flora da caatinga, tão
usualmente acometida pelo cangaço, por necessidade, e por vocação instintiva do
viver, talvez, e diante disso, expô-la aos seus verdadeiros donos,
desconhecedores de uma opulenta herança enjeitada em detrimento da exploração
midiática contemporânea...
Referências:
ALMEIDA,
Isnaia Firmino Souza. Lampião: A Medicina e o Cangaço. Revista Eletrônica de
Ciências Sociais, n.11, p.112-130, 2006.
ARAÚJO,
Antônio Amaury Corrêa; FERNANDES, Leandro Cardoso. “Lampião a medicina e o
cangaço”.Editora Traço. 1a edição, 2005
OLIVEIRA, Aglaê Lima. Lampião, Cangaço e Nordeste. Editora O Cruzeiro- 2ª Edição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário