sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

"JOSÉ REIS CARVALHO, um artista descoberto 125 anos depois." (*)

Por: João Tavares Calixto Júnior



     Procurando documentos e objetos de sua família na antiga "casa-grande" da Fazenda Catingueira, no sertão cearense, o artista plástico Bruno Pedrosa encontrou por acaso dentro de velho baú, uma coleção de 55 aquarelas do pintor e desenhista José Reis de Carvalho. Documentário de costumes, tipos, paisagens, vilas e cidades do interior cearense. Todos realizados entre 1859 e 1861. Reis Carvalho faz parte da turma fundadora da aula de pintura intalada por J. B. Debret em 1826, na Academia Imperial de Belas Artes. E foi membro da famosa "Comissão Científica de Exploração", que em 1859 empreendeu viagem de estudos pela província do Ceará.

Onde estavam os desenhos

     A família Pinheiro Pedrosa, descendentes do "velho" André Pinheiro, está estabelecida às margens do Riacho do Machado, Município de Lavras da Mangabeira, Ceará, desde sua exploração e colonização. Historicamente foram com os Pinheiros do Riacho do Sangue e os do Cariri, um clã de vaqueiros e pastores das cabeceiras do Jaguaribe. Desde sempre ocuparam e se desenvolveram à margem do Machado. Unidos e casando entre si por gerações e gerações. Constituíram o que se chamaria uma parentela dominante e prevalecente nos seus campos de criação. A "casa-grande" do "velho" André na Catingueira, ainda nos dias atuais, é um marco desta união. Seus "giraus" e "camarinhos" guardam na penumbra, histórias e mistérios daquele clã sertanejo.
     Sem a opulência de outros tempos, o avarandado solar de pau-a-pique, em quase ruínas, encerra consigo tesouros de história e arte. Avaramente guardados por um solitário ancião de quase cem anos. Manoel André Pinheiro, tio-avô de Bruno.

A Descoberta

     Faz alguns anos, remexendo, contragosto deste tio velho que os guarda a sete chaves, alguns baús escondidos num daqueles "quarto-escuro", encontrou ele, entre documentos vários, escrituras, testamentos, correspondências e mais papéis do século XVIII, um pacote enrolado em panos e colado em folhas como se fosse um álbum. Belíssimas aquarelas, pequenas e preciosas, que faziam lembrar em muito os desenhos de Debret. Algumas estavam assinadas com o nome completo: JOSÉ REIS DE CARVALHO, outras, com as iniciais RC e muitas só com a data ou anotações referentes ao desenho. Todas, porém, formando um conjunto. Não deu maior importância ao achado. Nunca tinha escutado falar nesse artista. Mesmo assim guardou os trabalhos consigo. Seu interesse naquele momento estava voltado para os documentos, e principalmente algumas imagens, jogadas e cobertas de poeira.
     Passados alguns anos, já então aluno da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, encontrou Bruno Pedrosa, no fichário da biblioteca, a catalogação de uns "álbuns de desenhos do Ceará do artista José Reis Carvalho". A curiosidade, por se tratar do Ceará, o levou a requisitar tais álbuns. Aí se surpreendeu. Ligou estes àqueles desenhos encontrados anos antes. Nada mais eram, os estudos que agora via, que a continuação daquela séria da Catingueira. Daí para frente foi relativamente fácil. Começou a pesquisar e foi ligando pouco a pouco os fatos.

A Comissão Científica de Exploração

     Reis Carvalho foi membro da famosa "Comissão Científica". Esta expedição ou "Comissão", como chamam alguns, tinha por objetivo a exploração de supostas riquezas minerais existentes no Ceará. Suposições fundamentadas em material geológico recolhido ao Museu Nacional, e na tradição oral dos habitantes locais. Alimentados por um manuscrito quimérico, a "Lamentação Brasílica", engendrado pelo cérebro delirante do Padre Francisco Teles de Menezes. Era um sonho que opulentava os sertões de jazidas inesgotáveis. Semeando tesouros escondidos por toda parte. Estratificando na imaginação popular a crença de uma riqueza ilusória ainda persistente nos dias atuais.
     Tal empresa chegou ao Ceará em fevereiro de 1859 e durante dois anos e meio cruzou em todas as direções os sertões cearenses. Recolhendo material botânico, mineralógico, zoológico, iconográfico, bibliográfico, etc.


Vila de São Vicente das Lavras 
Vista Panorâmica do Crato. 1865
São Benedito na Venda Grande. Distante de Lavras 5 léguas. É Povoação.
Igreja de Nossa Senhora do Ó - Cascavel, CE

Contatos com a família Pinheiro

     Passando por Lavras da Mangabeira, os membros das seções de botânica e zoologia, das quais fazia parte José Reis Carvalho, demoraram-se doze dias. Foi provavelmente neste período a aproximação ente o artista e a família Pinheiro. No Riacho do Machado, florescente campo de criação por todo o século XIX e princípios do XX, encontrou o pintor farto material para suas pesquisas. E daí, certamente, uma amizade recíproca e verdadeira deve ter surgido. Motivo para tão bem guardados ficarem naquela família esta fabulosa coleção de trabalhos encontrados.
     Não conseguiu Bruno descobrir quem poderia ter guardado tais aquarelas. Se o fez por acaso ou outra razão maior. As histórias da família sempre passaram através das gerações, oralmente e, naturalmente o que interessava. Não há qualquer notícia sobre estes trabalhos. Assim como sobre outras obras de arte recolhidas por ele, entre seus parentes. E que hoje formam sua coleção, onde a arte brasileira está representada desde princípios do século XVIII até finais do século XIX. No máximo se dizia, ter sido do "avô", do "bisavô", e era só.
     O curioso é que não existe, pelo menos de conhecimento público, outra fonte de trabalhos de Reis Carvalho no Ceará, a não ser, as três aquarelas existentes no Museu Histórico do Crato, feitas por doação do próprio Bruno Pedrosa. E além destes, só são conhecidos da sua permanência neste estado, os que estão no Museu Histórico Nacional e os já referidos na Biblioteca da Escola de Belas Artes, incorporados ao Museu D. João VI. É quase inacreditável que só tenha produzido isto em quase três anos de trabalho. Como difícil é, de se conceber, ter tudo se extraviado sem nenhuma referência sobre o fato. É provável que, divulgada a notícia, venha surgir mais fontes do seu trabalho.

Quem foi Reis Carvalho

     No entender de vários  críticos de arte, foi Reis Carvalho um Debret brasileiro, nordestino. Nos sertões isolados e distantes de tudo, documentou para a posteridade, a vida, os costumes, as pessoas, a arquitetura, vilas e cidades por onde passou. Ao lado de Rugendas, Debret, Ender e outros dos inumeráveis viajantes estrangeiros que no século XIX se deixaram fascinar pelas terras do Brasil, ocupa Reis Carvalho um lugar de destaque. Principalmente porque deixou uma memória visual única de uma das mais isoladas províncias brasileiras até quase os dias atuais. Antes dele, só existem notícias de outro pesquisador que tenha explorado aqueles sertões, Gardner, em 1834. Mesmo assim registrou apenas em diário, não documentando visualmente os costumes e lugares onde passou.
     A riqueza de detalhes nos trabalhos de Reis Carvalho, o torna por vezes, superior a Debret. A precisão científica no registro botânico o coloca acima tecnicamente, de qualquer outro brasileiro de sua época.


     Ainda estudante, como aluno da turma fundadora da aula de pintura na Imperial Academia de Belas Artes, na exposição Inaugural de 1826, foi elogiado pelo mestre J. B. Debret. Registro feito no livro "Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil". Na academia foi contemporâneo de José de Cristo Moreira, Francisco Pedro do Amaral, Manoel de Araújo Porto Alegre, Francisco de Souza Lobo e Affonso Falcoz. Participou com assiduidade do Salão Oficial de Pintura, e em 1836 já havia conquistado a Grande Medalha de Ouro.

Onde nasceu

     Segundo alguns autores, teria nascido Reis Carvalho no Ceará. Não existe porém nenhuma notícia do local e ano. Assim como permanece, pelo menos até o presente, ignorado o lugar e data de sua morte.
     Para os historiadores das artes no Brasil permanece uma icógnita a vida deste artista. Nenhum, desde Laudelino Freira até os pesquisadores atuais, conseguiu maiores dados sobre sua vida e obra. 
     Em publicações na Revista "O Cruzeiro", duas vezes Gustavo Barroso escreveu sobre o trabalho de Reis Carvalho. A primeira sobre "A Arquitetura dos Sertões", e a segunda, intitulada, "O Naufrágio da Comissão das Borboletas". Desconhecia, como todos os outros, maiores dados sobre a vida e obra do artista.
     Mais recentemente, discorre sobre o célebre pintor o Historiador paulista Heitor de Assis Júnior, em defesa de Tese de Doutorado, no Instituto de Geociências da Universidade de Campinas, sob o título: A Iconografia de José dos Reis Carvalho durante a Comissão Científica de Exploração, feita a defesa em 22 de julho de 2011.




(*) Texto adaptado de Bruno Pedrosa in: REVISTA ITAYTERA, Crato (nº 29, p. 201-205, 1985)
     


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