sábado, 28 de março de 2015

Novas considerações sobre o assalto a Apodi (1927)





Razões do cerco – Júlio Porto e as três cartas – José Cardoso e Mundoca Macedo – Ipueiras, a Eldorado das tramas



            Na madrugada de 10 de maio de 1927 a cidade de Apodi, no Rio Grande do Norte era invadida por bandoleiros comandados por Massilon Leite. Era político o intento, e na tramoia, orquestrando-a, o mandão provisionado de Missão Velha. Relatos dos cangaceiros Mormaço e Bronzeado evidenciam o planejamento e o suporte dado ao grupo por Izaias Arruda de Figueiredo (Veja-se: Correio do Povo, Mossoró, 31 de julho de 1927 e O Nordeste, Mossoró, 13 de agosto de 1927).
            De certo, não seria sem motivo a sua participação, e assim o foi, atendendo ao pedido de Décio Holanda, reputado fazendeiro em Pereiro, Ceará, que se deu a conspirata. Holanda era genro de Tylon Gurgel, homem destacado na região Apodiense, agropecuarista em Pedra da Abelha, nas proximidades de Apodi. Diz-se na literatura, em concórdia de autores, sobre o comportamento atribulado de Décio Holanda. Era homem de hábitos e valores nada louváveis. Para Romero (2010), um cultivador de ódio em grau exponencial, alguém que não conseguia perdoar desafetos ou pessoas que o desagradassem. Também enfatiza e sumariza Sérgio Dantas (2005, p. 38) sobre Décio Holanda:

“Os mandões de Apodi sofriam com ruidosos ataques pessoais protagonizados por Décio e sempre que possível iam à forra. Por questões de nonada ou por uso de termo ou palavra mais contundente, o “intruso” era perseguido e sofria pesadas sanções. Em pouco, brotou profunda inimizade entre Holanda e Francisco Ferreira Pinto, Presidente da Intendência Municipal. Envolveram-se em avultada contenda política. Acirraram-se em busca de prestígio, poder, domínio. Perseguições diárias e vinditas intermináveis, invariavelmente eivadas de rancor. Décio tornou-se vítima preferencial de ataques protagonizados pelo sistema político-partidário vigente e em muito pouco perdeu espaço na comuna. Aniquilou-se. Experimentou – com pesar – forçado ostracismo. Restou-lhe, portanto, esquálido projeto de vingança. E não muito hesitou”.

            Entretanto, com pormenores, historiemos por versão que salienta a crucial participação no intento do bandido Júlio Porto (Júlio Santana de Melo), figura asquerosa, segundo Marcos Pinto (2013), que por ter a proteção do seu mentor Martiniano Porto, passou a ser conhecido por este nome.       
Enfaticamente, afirma Júlio Porto que o assalto a Apodi foi feito por ordem de José Cardoso, de comum acordo com Izaias Arruda (Veja-se: O Ceará, 27 de julho de 1928, p. 2).
Nascido em 1903, Júlio era natural da Serra do Pereiro e foi casado com Avelina Sobreira. Depois de haver trabalhado alguns anos em Mossoró, como chofer, voltou à Serra do Pereiro, como empregado de Décio Holanda. Após algum tempo mudou-se para a casa de Odilon Gurgel, sogro de Décio e residente em Pedra da Abelha, Apodi, no Rio Grande do Norte. Estava satisfeito em companhia de Odilon Gurgel, quando, em certo dia, recebeu carta de Décio, chamando-o à sua casa.
Atendendo ao convite, na casa de Décio, recebera de suas mãos três cartas que, mal sabendo, em muito alterariam a vida de sertanejos do Apodi. Seriam para Massilon Leite, José Cardoso e José Gonçalves, os dois últimos residentes em Aurora, município cearense. A empreita seria levá-las aos seus destinos.
Desincumbindo-se da aludida missão, Júlio Porto foi a Aurora. Chegando a Ipueiras, entregou a carta a Zé Cardoso, e junto, trezentos e cinquenta mil réis. Júlio afirma ter ouvido do mesmo que esperasse pela resposta. Durante a estada, três dias após ter chegado, notou vários bornais sendo levados à casa do jagunço de Ipueiras.
Decorridos mais dois dias, Massilon Leite, que a esta altura já se achava em Ipueiras e com a carta que lhe havia sido endereçada em mãos, convidou-o a ir ao Angico, morada de Mundoca Macedo, situado também em Aurora. Tratava-se de Raimundo Antônio de Macedo, filho primogênito da famanaz Marica Macedo do Tipi, apontado já, em passagens diversas, como protetor de Lampião, quando de suas temporadas com a cabroeira pela zona Sul-cearense.
Acompanhando Massilon ao Angico, Júlio Porto presenciou ali longa conversa entre aquele e Mundoca Macedo, eram detalhes sobre a trama de Apodi . De regresso a Aurora, Massilon parou em caminho no meio da noite e contou a Júlio que as cartas de que fora portador continham a combinação de um assalto armado a Apodi, e que Júlio, de acordo com as determinações de Décio Holanda, faria parte do grupo assaltante. Quis protestar contra isso, mas ouviu de Massilon uma tremenda ameaça, que o fez calar.
Desta maneira organizou-se o ataque a Apodi, que se efetuou da maneira terrífica (veja-se O Ceará, 26 de julho de 1928, p. 1-2).
Depois do assalto, tendo regressado a Aurora, Júlio Porto retorna à casa de Mundoca Macedo, a quem vendeu por 95$000 um rifle e 50 balas que lhe haviam dado para a empreitada. Efetuada a venda, retirou-se para Juazeiro do Padre Cícero, onde viria a matrimoniar-se ainda em 1927 com Adelina Sobreira. Lançando mão de algum dinheiro que a esposa possuía, montou carpintaria nas proximidades da atual Rua do Cruzeiro, onde trabalhou, até ir preso.
As informações prestadas por Júlio Porto sobre o famigerado ataque a Apodi apresentam-se mais substanciais do que as dos cangaceiros Rouxinol e Lua Branca, fornecidas em depoimentos à polícia cearense após prisão, principalmente por se achar aquele, no par de minudências anteriores ao episódio cruento na localidade potiguar.
Observe-se o que consta em O Ceará (26 de julho de 1928, p. 1), onde Rouxinol, em entrevista na prisão de Fortaleza, explicita versão análoga à acima citada.
Com apenas 20 anos de idade, pele morena, franzino, cabelos quase pretos, olhos castanhos, não sendo mal encarado, nascido em Lavras da Mangabeira, era filho de Joaquim Vicente de Paula, carpinteiro naquela cidade. Viveu em sua terra natal, onde era bem quisto, até o ano de 1926, quando resolveu abandonar o lugar em busca de emprego. Dirigiu-se a Missão Velha por saber que ali estavam sendo feitos serviços ferroviários, havendo, portanto, possibilidade de se empregar.

            Naquela via, conseguiu colocar-se na estrada de ferro, onde esteve trabalhando durante quatro ou cinco meses, dando, afinal, despedido, em virtude da conclusão dos trabalhos ferroviários. Partiu dali para Aurora, para tentar a vida, conseguindo, depois de algum tempo, uma colocação no sítio Ipueiras, de propriedade de Izaias Arruda, emprego que lhe foi arranjado por José Cardoso.


continua...

Trecho de capítulo de livro em elaboração.
João Tavares Calixto Júnior