segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Gruta do Boqueirão: Patrimônio Natural Ameaçado!


Podemos afirmar sem medo de errar que Lavras da Mangabeira pode vir a ser um dos maiores referenciais turísticos do interior do Ceará. Ora, por que não? O município é dono de uma quantidade enorme de atrativos naturais que estão sempre em segundo plano (sendo eufêmico) para todos os gestores que até agora estiveram administrando essa terra com potencial tão grande e tão desvalorizado. Exemplificando a priori, tem-se o Riacho do Rosário, riacho perene com água de boa qualidade que passa despercebido por grande parte do território lavrense até desaguar no Salgado, sem sequer um projeto de irrigação e/ou uso da água de alguma forma. Dói na alma ver tão grandiosa riqueza sendo praticamente desperdiçada por falta de projetos ou programas que valorizem a agricultura irrigada. Lembremos que vivemos numa região caracterizada pela falta de água, região semi-árida castigada pela carência deste recurso que para os lavrenses é abundante durante a época das secas. Vemos mais calmamente também um incrível recurso não sendo aproveitado. Não cito o boqueirão aqui, que na realidade não é de Lavras, nem dos Lavrenses, pois trata-se de um patrimônio privado, onde o poder municipal, mesmo se tivesse interesse, não poderia intervir. Refiro-me aqui à caverna existente em um dos paredões rochosos que compôe o conjunto de serras que forma o boqueirão. A caverna, conhecida como gruta do boqueirão, guarda histórias que há muito se comenta. Histórias de autores anônimos que se perdem nos arquivos do coloquial popular do povo desta terra, histórias de trancoso, encantadoras por sinal. A natureza foi generosa com Lavras e nesse trecho a que me refiro, foi generosa mesmo. O pôr do sol, que é acompanhado sempre com a saída de nuvens de morcegos da gruta se torna ainda mais gratificante. Espécies de periquitos que nidificam como muito sacrifício ainda,em orifícios nas rochas são encontrados em meio ao desmatamento, intensas queimadas e poluição das águas do salgado. O fato é que existe uma biodiversidade rica e inexplorada na gruta, onde apesar de poucas espécies de morcegos identificadas (Desmodus rotundus, Dyamenus yarelli, Molossus sp.) não se tem certeza da diversidade de troglóbios lá existente. Grande quantidade de tatuzinhos-de-jardim, aranhas e outros artrópodos foram avistados e coletados, porém não identificados. O morcego pesacador (Noctillyus leporinus) também foi identificado com suas garras afiadas e patas coriáceas adaptadas à pesca. Uma espécie desconhecida de ave de rapina que habita a parte mais alta de um dos paredões também ainda é um mistério perante a comunidade científica. É algo muito semelhante a um condor que através de vôos rasantes traçados com maestria e singularidade e um olhar autoritário atento, preserva o seu ninho como um guarda britânico.
Em meio a essas espécies que resistem mas que clamam por vida, temos o fogo como instrumento antrópico avassalador da vida no local. A existência das queimadas de forma pontual, anualmente no final de novembro é fator crucial para o empobrecimento do solo e diminuição da diversidade de vida no boqueirão, e pode contribuir para um desbalanceamento ecológico na gruta ainda.
A SBB (Sociedade Brasileira de Bioespeleologia) aponta em estudo recente, para uma diminuição considerável da vida de troglóbios em locais afetados pelo fogo. Esses animais que vivem em condições ambientais muito limitadas, são extremamente sensíveis a impactos como este. A vida vegetal também se sente prejudicada por ações antrópicas que vão além das queimadas. Em estudo florístico-fitossociológico realizado no ano de 2006 (Trabalho publicado nos anais do 30 Reunião Nordestina de Botânica) verificou-se a ocorrência de algumas espécies raras em ambientes de caatinga, mais encontradas em áreas de transição e cerrado propriamente dito. Algumas delas, como a Canafístula de raposa, o Gonçalo-Alves e a Caroba brava, estão diminuindo a cada ano o valor de suas densidades relativas na serra do boqueirão. É notória a degradação ambiental acometida nesse que é para os lavrenses apenas um cartão postal e mais nada, além de um balneário sem estrutura construido nas margens do rio que desce praticamente morto do Cariri e que chega suspirando antes de cair no Jaguaribe. Olhemos mais atentamente para essa penumbra que deveria nos pertencer. Ações voltadas à Educação Ambiental, esportes radicais como o rapel, valorização de politicas de turismo ambiental e principalmente valorização da biodiversidade através de práticas de manejo sustentável e agroecologia, poderiam e deveriam vir à tona se houvesse empenho dos homens (e/ou mulheres) de terno.
Temos que tirar o chapéu pra alguns alunos do curso de biologia da URCA que tanto se empenharam em colocar em prática este sonho. O boqueirão e sua gruta clamam por um olhar, e precisam de alguém que abrace esta causa com amor e seriedade, alguém que não pense unicamente que árvores são importantes apenas no interior de seus quintais faraônicos.

João Tavares Calixto Júnior - Biólogo, Mestre em Ciências Florestais

2 comentários:

  1. Eu amo muito essa cidade,tenho orgulho de ser lavrense!

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  2. A velha lavras realmente fica a merce dos cegos sendo tratada com desdém,refiro-me assim porque conheço essa terra e sei do seu potencial,da sua beleza e riqueza inesplorada.

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