Aspecto da rua do Comércio. Fonte: site do IBGE.
No ano de 1908 chefiava a pequena vila
d’Aurora, antiga Venda, o coronel Antônio Leite Teixeira Neto (Totonho Leite ou
Totonho do Monte Alegre) – intendente municipal entre 1907 e 1908. Predominava,
na época, o poderio estabelecido por Domingos Leite Furtado, chefe absoluto de
Milagres e de grande prestígio ante os demais potentados do Cariri cearense, dentre
eles, José Inácio do Barro, um de seus aliados principais.
surgindo
desacordos entre os chefetes citados, tendo em vista a demarcação das terras do
sítio Coxá, dada pelo padre Cícero Romão Batista, proprietário, a Floro
Bartolomeu da Costa, esta incumbência, Cândido Ribeiro Campos, ou Cel. Cândido
do Pavão, homem da confiança de Domingos Furtado – assim como do Pe. Cícero – foi
aproveitado para desabafo, nesta ocasião. Acentue-se já ser desafeto do coronel
Teixeira Neto, Cândido do Pavão, citado.
Passava-se o mês de dezembro de 1908, quando
o Cel. Teixeira Neto foi avisado sobre um grupo de cangaceiros, que em número
estimado de 400, guiados por Cândido, comandados e fomentados por José Inácio
do Barro e fornecidos por Domingos Furtado, fazer-lhe ia a deposição na vila
d’Aurora.
Não dispunha Teixeira Neto de elementos suficientes
para reação (embora tivesse recebido do Governo do Estado ordem para receber
destacamentos de Lavras e Iguatu), resolvendo aconselhar a população a
abandonar a vila, o que fez rapidamente, parte dos residentes, devido à
aproximação da horda de celerados. Todos os seus haveres, assim como os da
população ficaram efetivamente a mercê dos bandidos.
Neste mesmo dia (23 de dezembro de 1908),
pelas quatro horas da tarde, foi invadida a vila.
Os algozes, não encontrando os inimigos
para resistência, ordenaram logo proceder ao saque nas casas comerciais, sendo
as principais, as seguintes: Cícero Calixto de Araújo, Sebastião Alves Pereira,
Emídio Cabral, José Cabral, Manoel de Barros e a do coronel Paulo Gonçalves
Ferreira, sendo os prejuízos avaliados em centenas de contos de réis.
No dia seguinte, data em que as famílias
estariam reunindo-se para comemorar o Natal, os cangaceiros arrombaram quase
todas as residências, roubando tudo o quanto puderam conduzir. Cristaleiras,
mesas e cadeiras foram quebradas e atiradas às ruas, sendo depois incendiadas,
gerando na pequena urbe, cenário desolador.
Após o saque da vila, foram divididos os
cangaceiros em alguns grupos, tendo à frente de cada um, pessoa da confiança de
Cândido: Jose dos Santos, Raimundo dos Santos e Joaquim dos Santos, seus
cunhados; Ernesto da Pamonha, José Dantas, e os irmãos Paulinos (João, Antônio
e Zinho) seus sobrinhos, seguindo cada um o destino apontado.
Em tempo: Raimundo dos Santos, citado,
fora o mesmo que, em certa ocasião, viu seu sobrinho João Paulino, motivado por
insatisfação, desfechar-lhe três tiros de revolver, fazendo-o tombar por terra.
Por grande felicidade conseguiu escapar da morte Raimundo dos Santos, tendo recebido
como sequela, uma lesão na perna que o deixou aleijado.
Para o sítio Monte Alegre, propriedade do
Cel. Teixeira Neto, na passagem da antiga estrada que liga o município ao Estado
da Paraíba, seguiu o grupo de Raimundo dos Santos que, ali chegando, comete
grandes depredações, incendiando armazéns de cereais, a bolandeira, cercados e a
casa de residência.
Para o sítio Gerimum, propriedade do coronel
Antônio Leite Gonçalves (aliado político e sobrinho de Teixeira Neto), seguiu o
grupo de José dos Santos, que como o outro, praticou as violências já citadas.
No Sítio Barreiro, também de Antônio Leite Gonçalves, se apoderaram do gado ali
existente, conduzindo a boiada para o consumo próprio, sendo de notar, conforme
consta em O Ceará (Fortaleza, 25 de
agosto de 1928, p.4), roubo de grande quantidade de fumo, que
foi retirado do armazém e transportado ao Sítio Taveira, o qual, depois, foi
enviado à venda para a cidade de Cascavel.
Os demais grupos seguiram para as
propriedades Jitirana e Japão, ainda de Antônio Leite Gonçalves, as quais foram
também saqueadas e incendiadas. A propósito, o citado Antônio Leite Gonçalves
era o primeiro filho de um total de 16 do único casamento do coronel Barnabé
Leite Teixeira com Maria Leite de Figueiredo (Maria Joaquina do Amor Divino).
Barnabé, morador no sítio Barro Vermelho e falecido em 1903, era irmão dos
coronéis Antônio Leite Teixeira Neto e Manoel Teixeira Leite (Cel. Teixeira) –
citado adiante – e foi uma das figuras sociais e políticas de maior envergadura
da história de Aurora; antigo delegado municipal (1862) e presidente da Câmara
da vila (1890).
Voltando ao ataque de 1908, finalmente
foram saqueadas as propriedades de Joaquim Miguel (Joaquim Gonçalves Ferreira),
Manoel Carneiro Guerra e outros, cujos prejuízos foram calculados em mais de
trezentos contos de reis.
Figura de destaque na política local dentre
os deportados por Cândido, logo que assumiu a chefia do município, estava o major
Manoel Gonçalves Ferreira (o segundo, de três com o mesmo nome), irmão do coronel
Paulo Gonçalves. O mesmo veio a se retirar para o Amazonas, onde chegou ainda a
atuar na política, vindo a falecer ausente da família.
Decorreu a truculenta gestão de Cândido
Ribeiro Campos, aos moldes dos governos municipais do período coronelístico no
Nordeste do Brasil, até 1914, época em que rebentou a ruidosa revolução de
Juazeiro. Com a mudança no governo do Estado após a queda de Franco Rabelo, foram
entregues os destinos de Aurora ao coronel Manoel Teixeira Leite (Cel. Teixeira),
irmão de Antônio Leite Teixeira Neto. Atente-se ao fato de o Cel. Teixeira ter
sido o primeiro prefeito do município, já que, a partir de 9 de outubro de
1914, por força da Lei Estadual nº 1.794, foi extinta a função de intendente,
passando, em substituição, a existir a figura do prefeito municipal.
Cândido, insatisfeito com a posse e administração
do coronel Teixeira, estudou meios de galgar novamente o poder. Julgando que os
troféus da vitória fossem ainda o bacamarte, reuniu a parentada e concertou
planos.
Decorreram-se alguns dias de 1914, quando
na madrugada de 11 de julho, a população da pequena vila d’Aurora foi novamente
despertada por fuzilaria terrível. Era o ataque dos Cândidos e santos (Paulinos), à residência do coronel Teixeira, que não oferecendo
resistência, tratou de fugir, e saltando uma janela, recebeu ferimento de bala
de rifle no pé direito. Com a fuga de Teixeira, foi invadida a casa, ocasião em
que fazia uso de arma de fogo a sua filha, Antônia Leite, reconhecida, logo
depois, pelo ato de bravura. Neste ínterim, chegando grande parte dos parentes,
houve luta armada, e depois de cerca de quatro horas, retiraram-se em
debandada, os invasores.
Quanto à casa invadida, ainda hoje está
erguida, apesar de desfigurada a fachada. Localiza-se na praça da Matriz
(antiga rua do Quadro), centro de Aurora e lá funciona um restaurante (Churrascaria
do Regivaldo). Este imóvel, que se avizinhava à esquerda com a casa de José
Leite Teixeira e à direita com a casa do Professor Luiz Gonçalves Maciel foi
adquirida por Manoel Teixeira a Hermenegildo de Sá Cavalcante (o primeiro deste
nome) e sua mulher Dulce Emídia de Macêdo, pelo valor de duzentos mil réis, conforme
registrado no livro de notas do Cartório da vila d’Aurora (Livro 1, 1890-1892,
p.12-16), assinado pelo tabelião Casemiro Bezerra de Maria. No instrumento de
escritura pública datado de 16 de outubro de 1890, aponta-se:
“(...)
a compra de uma casa de morada encravada no patrimônio do Senhor Menino Deus da
Vila d’Aurora, feita de tijolo e encoberta de telhas, com três portas e uma
janela de frente, localizada na Rua do Quadro da mesma vila da Aurora, Comarca
de Lavras, Estado do Ceará (...)”.
Outros desentendimentos experimentaram
Cândidos e Leites durante a gestão também truculenta do Cel. Teixeira em
Aurora (1914-1919). Embora líder do Executivo, Teixeira amargou serrada
oposição, já que atuava como presidente da Câmara Municipal, neste período, Manoel
Ribeiro Campos, irmão de Cândido. Além do presidente, a Câmara era formada por
mais quatro vereadores que se identificavam como correligionários dos Cândidos: José Cabral de Almeida (vice),
Rubem Arrais Maia (secretário – que substituíra o também aliado Antônio José
Ferreira), Raimundo Bernardo de Souza e Afonso Monteiro Damasceno. Apenas os
vereadores Antônio Bezerra dos Santos e Raimundo Ferreira de Lira eram aliados
do Cel. Teixeira.
Como prova disto, aponta-se o que ocorreu
na sessão extraordinária da Câmara de Aurora de 30 de março de 1915, em que
informaram ao presidente do Estado, por meio de ofício, sobre o “procedimento
arbitrário” do prefeito Cel. Teixeira, que não permitia a colaboração da Câmara
no “destino e engrandecimento do Município”, cientificando, o referido presidente,
ser o cidadão Manoel Teixeira Leite “em tudo contrário aos lampejos de
prosperidades, tão necessários aos habitantes da terra”.
Sete meses depois (21 de outubro do mesmo
ano), em ata de seção extraordinária da Câmara, Manoel Ribeiro Campos deixa
escrito sobre a ausência, à reunião, do prefeito Manoel Teixeira Leite, que
fora convidado a tratar dos atos de sua gestão no ano anterior, assim como da
elaboração da proposta de orçamento para o ano seguinte (1916). Afirma o
dirigente da Câmara, ter o prefeito se “esquivado de cooperar para o
engrandecimento e boa organização das coisas”.
Terminado o mandato do Cel. Teixeira,
assumia como prefeito Antônio Landim de Macedo, ocasião em que saiam do
anonimato em Aurora, os Macêdos, aliados
dos Leites e Gonçalves, para frequentarem em regime de rodízio, altos cargos na
administração do município, tanto de indicação do governo estadual, como de
escrutínação.
Findos os dois mandatos citados, Cândido
Ribeiro Campos, obstinado na política, por intermédio de Floro Bartolomeu, deputado
federal eleito em fevereiro de 1921, com sua ajuda, inclusive, no município, conseguiu
novamente a Prefeitura de Aurora, governando-a de 1921 a 1926, mas perdendo a
eleição subsequente para José Gonçalves Leite, candidato dos Leites Gonçalves apoiado também pelos Arrudas e Macêdos. Os velhos aurorenses, mais em dia com os acontecimentos
passados da terra de origem, afirmam terem sido numerosos os assassinatos,
roubos e demais crimes durante o período da segunda administração de Cândido,
sem que fossem tomadas muitas providências.
Dentre os crimes de homicídio que ficaram
impunes, cita-se o de José Paulino dos Santos (Zim), sobrinho de Cândido, que
assassinou o primo Pedro Saraiva dos Santos na estrada do sítio Carro Quebrado
em 1925, e que ficou somente em corpo de delito, o processo, tendo sido
fechado, somente na administração de José Gonçalves Leite, quando exerciam os
cargos de juiz e delegado o Dr. José Garrido e o tenente Caminha,
respectivamente.
Por fim e fazendo alusão ao ano anterior
de 1917, observou-se em Aurora, que por questões de terra pendentes e “para não
incomodar a justiça”, decidiram, alguns membros da família Santos, resolvê-las,
amparados pela lei tradicional do bacamarte, tendo sido este, outro episódio
tremendo. Travaram luta entre si, resultando três mortes, sendo: o velho José
dos Santos, com 80 anos de idade, José dos Santos (José da Bestinha) e um outro
membro do clã, sobre o qual falaremos em momento oportuno.
Juazeiro do Norte, Ceará, 15 de maio de 2020.
João Tavares Calixto
Júnior
Universidade
Regional do Cariri – URCA
Instituto Cultural
do Cariri – ICC
Academia Lavrense de
Letras – ALL
Academia Brasileira
de Letras e Artes do Cangaço - ABLAC