sábado, 2 de junho de 2012

A Política e Sua Perversão





Por: Dimas Macêdo (Mestre em Direito, Professor da UFC, Membro da Academia Cearense de Letras - Cadeira nº 11 cujo o Patrono é o  historiador Barão de Studart)            

          A política, que é a latitude máxima da ação humana, em busca de um fim social, e de uma práxis civil e emancipadora, corre em todas as sociedades qual rastilho de pólvora. Não há como deter a sua força, a sua energia dadivosa, o seu poder absoluto de envolvimento e de transformação.
       Não podemos pensar em qualquer forma de sociedade sem que nela não esteja presente o exercício da política. A política é o que é, existe porque tem que existir. É a espinha dorsal e a coluna vertebral do Estado, do município, do poder político de uma forma geral.
          Claro que a política não se submete aos limites da ética, porque a conquista do poder e a sua manutenção constituem, com certeza, um campo de guerra e não tem como ser diferente. Mas é claro que ela pode ser limitada pelas regras do Direito e pelas aspirações de Segurança que rondam o habitat da vida social.
           Em face das conquistas da técnica e da clarificação das consciências, penso que, nos dias de hoje, a política poderia ser um pouco diferente. Deveria estar prioritariamente voltada para o homem, para as suas necessidades e para a superação das misérias sociais, que desafiam a paz e a busca dos Direitos Humanos.
      A política, infelizmente, virou uma grande equação capitalista: transformou-se em patrimônio material de uns e em forma de extorsão com que outros se mantêm no poder, roubando os cofres da Administração, assaltando a partilha do orçamento, transformando tudo em uma mesa de jogo da corrupção e do desvio de recursos.
       Após os avanços da globalização econômica, especialmente a partir da década de 1990, o capitalismo e os seus valores de ordem financeira foram assaltando, gradativamente, a máquina do Estado.
       O mercado substituiu a política e os intelectuais foram expulsos do espaço público, porque a equação capitalista não precisa de ideias, mas de pessoas dóceis à sua sedução material.
         O capitalismo, como sabemos, abomina qualquer discussão de ideias que não seja em proveito da sua utilidade, e que não seja a favor dos monopólios de todos os setores da vida; e a ideologia de ordem econômica e monetária passou a ser, ao que parece, a religião oficial do planeta.
         A cultura, a arte e a educação, que são bases primordiais do humanismo, vêm sendo ultrapassadas, de último, pelos valores da tecnologia; a preparação técnica das pessoas assumiu o lugar da sua formação, do seu aprendizado sistemático e da sua capacidade de interação com os seus semelhantes; e a defesa da Ética e dos Direitos Humanos igualmente vem perdendo o seu lugar nessa nova forma de sociedade, calculadamente fria e esquisita.
           Grande parte das pessoas, hoje, sucumbiu à sedução do consumo, e trocou sua alma pela exibição do seu ego. Muitos não estão nos espaços midiáticos da web porque fizeram alguma coisa de proveito no mundo, mas porque desejam promover as suas fantasias.
           Assusta observar, por outro lado, que o homem perdeu a sua condição de reagir, de se indignar, de denunciar os desmandos da classe política, e de ocupar as ruas e as praças para reivindicar os seus direitos.
            Os que se julgam acima do bem e da verdade, decretaram a morte dos princípios, como se fosse possível convencer os semelhantes com o barulho de suas teses enfadonhas.
            A completa conivência de muitos chefes de Estado, e assim também do último governo do Brasil, para com a mentira e a falsificação da verdade, e para com aqueles que já estão cansados de mandar, tais os exemplos de Fernando Color, Renan Calheiros e José Sarney, são situações que estão, por outro lado, a desafiar a paciência das pessoas.
           No caso específico do Brasil, a busca da justiça social e o resgate da política enquanto vocação parece que não são, decididamente, valores que agradam aos integrantes da classe dirigente.
           E o povo, sempre alimentado de muitas ilusões, se acostumou demais com a mentira e com as esmolas que lhe são destinadas pelas autoridades que estão de plantão, e não desconfia sequer das intenções dos que estão no centro do poder.
 Parece ser mesmo doloroso, para os homens de boa vontade, e para os que lutam pela ética e a dignidade, assistir a ascensão de pessoas despreparadas e gananciosas para a representação parlamentar, e para os postos de comando da máquina do Estado.
           A política não constitui um fim, e o exercício da política, como sabemos, é uma vocação. Não é um patrimônio que se transmite por herança para os apaniguados do poder. A política é uma missão e exige de quem a ela se entrega um compromisso integral e efetivo para com as exigências da vida coletiva.
            No Brasil, infelizmente, a maioria dos políticos ainda não despertou para a grave questão do ambiente e o povo ainda não se sente motivado para os desafios da educação ambiental, o que é lamentável, e a consequência de tudo será a transmissão, para as gerações futuras, dessa conduta irresponsável.
Essa perversão em que a hegemonia da política foi transformada, é a causa da violência social e da violência simbólica que nos cercam; é a causa da proliferação das drogas e das deformações que atacam as novas gerações, e entorpecem a mente dos que gravitam ao redor da máquina do poder.
 Parece mesmo que existe uma desordem no cosmos, causada pela perversão em que se transformou a política, pois a sinfonia planetária, que há séculos encantava a audiência humana, hoje se encontra ameaçada. Empresários inescrupulosos e políticos de visão mesquinha têm feito da ganância e da especulação instrumentos de violação da paz e do equilíbrio da vida em sociedade.
    O meio ambiente vem perdendo a sua qualidade. Agredido pela insensatez e a irresponsabilidade de muitos, agoniza qual um animal sangrado, e pede clemência para a tragédia da degradação ambiental e cosmológica.
            Depois que o homem decretou a morte de Deus e do sagrado, parece mesmo que tudo se tornou possível, cumprindo-se assim a profecia do grande romancista russo Fiódor Dostoiévski.
           A degradação ambiental, que hoje se espalha pelo mundo, tem recebido respostas muito convincentes da própria natureza, que aqui e ali vai se defendendo como pode, através de vulcões e terremotos, degelo das calotas polares, tsunamis marinhos e aquecimento de todas as regiões do planeta.
        O ser humano, contudo, não recua e a sociedade de consumo vai achando normal a circunstância de conviver com o lixo e com as embalagens nunca recicláveis das mercadoras que consome, rejeitando o ciclo natural do ambiente à sua volta e  substituindo-o pelo consumo de mercadorias e serviços provenientes da indústria do tóxico.
          O homem que consome, de forma obsessiva, o ópio do mercado, e que sonha com o desejo do lucro, e que apoia, a seu turno, a poluição da natureza, parece mesmo que decidiu morrer abraçado com a sua imperfeição e com a sua teimosia de viés egoísta. Parece que decidiu sufocar a natureza, almejando assim o seu poder absoluto sobre o cosmos.
            É possível que a voz dos ambientalistas, e daqueles que defendem a natureza, continue clamando no deserto, mas aceitar as coisas de forma diferente, e não reagir contra o agravamento da crise ambiental, me parece o jeito mesquinho de estar no mundo e de aceitar a sua total degradação.
            Assim sendo, urge que as pessoas de boa vontade continuem resistindo ao avanço do mal e ao poder de degradação do universo, resultado da teimosia dos que não acreditam no amor e na compreensão, que maltratam a sensibilidade e tudo corrompem em nome dos bens materiais e dos interesses políticos inconfessos.
          Para além de tudo, no entanto, está a esperança, a dignidade dos que sonham com a vida, que replantam a semente do bem e a partilha da Paz e da Justiça, porque os frutos perenes do amor, a defesa da ética e o denodo dos que lutam pelas formas de afirmação do bem e da verdade são as nossas crenças e os nossos valores de maior valia.


                                                                                                             Fortaleza, inverno de 2012                                                

Rápidas pinceladas sobre alguns personagens e mazelas da Povoação da Venda: A questão da seca de 1877 e a decadência da escravatura.


      

        Registrou-se no ano de 1877 uma das maiores secas enfrentadas pelas populações do semiárido brasileiro da história. Maciça foi a migração dos campos para as cidades, assim como a mortandade que se generalizou sobremodo à falta de alimentos na zona rural.
Na Venda, antiga povoação elevada à Distrito da Vila de Lavras em 1870, assim como nos sítios que hoje formam o território atual do município de Aurora, vários foram os vitimados pela fome em decorrência da seca, algoz e persistente. Esclareçamos:
“Aos vinte de novembro de mil oitocentos e setenta e sete, faleceu de fome o adulto Joaquim Gomes, pardo, de idade de doze anos, foi envolto em branco e sepultado no campo (Calumby), sendo depois encomendado por mim. E para constar fiz este e assignei. O Vigário Meceno Clodoaldo Linhares” (Livro de Registro de Óbitos da Paróquia de São Vicente Ferrer de Lavras, 1877-1885, p.5).
Aos vinte e nove de novembro de mil oitocentos e setenta e sete, faleceu de fome a párvula Úrsula, de idade de quatro anos, filha legítima de Antônio dos Santos e Rita Maria de Jesus, foi envolta em branco e sepultada no Cemitério da Venda, sendo depois encomendada por mim, etc (...)” (Livro de Registro de Óbitos da Paróquia de São Vicente Ferrer de Lavras, 1877-1885, p.5).
Aos seis de dezembro de mil oitocentos e setenta e sete, faleceu de fome o párvulo José, de idade de dois anos, filho legítimo de Vicente Monteiro e Maria Joaquina, foi envolto em branco e sepultado no Cemitério da Venda, sendo depois encomendada por mim, etc (...)” (Livro de Registro de Óbitos da Paróquia de São Vicente Ferrer de Lavras, 1877-1885, p.6).
Assim como estes, concernentes à Venda e adjacências, observam-se vários outros registros de falecimentos ocorridos nesta fase, em virtude da seca.  Párvulos padeceram, assim como adultos e idosos, todos, impiedosamente.

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        Precisamente no dia 4 de abril do ano de 1880, realizaram-se na Capela do Menino Deus na Venda, 12 (doze) batizados pelas mãos do Padre João Carlos Augusto, e dentre estes, um de filho de escravos: Era Vicente, preto, filho natural de Carlota do Amor Divino, nascido aos vinte de março do dito ano, que teve como padrinhos a Deodato Lopes de Oliveira e Balbina Maria da Conceição. Assina Meceno Clodoaldo Linhares (Livro de Batismos da Paróquia de São Vicente Ferrer de Lavras, 1877-1882, p.101).
       Curiosamente, ressaltamos aqui ter sido este um dos últimos lançamentos relativos a escravos nos livros eclesiásticos da Paróquia de Lavras, concernente aos residentes na Venda ou sítios que compunham o atual território de Aurora. Apesar de a abolição da escravatura ter sido oficializada em 1888, diminuíram-se a partir deste ano as referências a escravos, muito comumente citados nos ditos livros de registros. Exemplifiquemos:
     “Aos vinte e um de novembro de mil oitocentos e setenta e três, na Capela da Venda, feitas as diligências necessárias, confessados e crismados na doutrina cristã, sem comprometimento algum, de licença minha, em presença do Pe. Joaquim Machado da Silva e dos testemunhos Antônio da Silva Martinho e Pedro Carneiro de Oliveira, se (ilegível) em matrimônio os nubentes Vicente Ferreira, escravo de Bárbara Maria, com Raymuda Izabel, viúva por falecimento de Antônio Apolinário de Souza. São naturais e moradores, ele no Barreiro, desta Freguesia e ela, na (ilegível), da mesma Freguesia de Lavras, etc... Pe. Vicente Férrer de Pontes Pereira”. (Livro de Registro de Matrimônios da Paróquia de São Vicente Ferrer de Lavras, 1870-1875, p.141).
“Aos doze de março do ano de mil oitocentos e sessenta e seis foi sepultado no cemitério da Capela da Venda o adulto Antônio Jacintho, casado com Maria, escrava de Manoel Joaquim Carneiro, morador no Barro Vermelho, faleceu de morte natural aos trinta anos de idade do dito mês e ano. E para constar mandei lavrar o termo que assinei. Pe. Antônio Pereira de Oliveira Alencar”. (Livro de Registro de Óbitos, Paróquia de São Vicente de Lavras, 1865-1871, p.40).
  Como estes, diversos outros assentos foram observados, inclusive, de escravos pertencentes ao citado cidadão Manoel Joaquim Carneiro, que como se verá em momento oportuno, foi o primeiro Presidente da Câmara Municipal da Vila d’Aurora, à época, a principal autoridade administrativa do município.
Era o referido Manoel Joaquim Carneiro, que exercera ainda o cargo de subdelegado de polícia na Venda (Tenente), casado com Maria de Jesus Tavares (irmã de Maria de São José Tavares, Alexandre Luiz Tavares e do Padre José Luiz Tavares), e conforme se observa no Livro de Registro de Matrimônios da Paróquia de São Vicente Ferrer de Lavras (1870-1875, p. 185), assistiu ao casamento realizado pelo Pe. Francisco Tavares Arco-Verde, de sua filha Joana Maria de Jesus, aos 3 de junho de 1875, em sua residência no sítio Barro Vermelho, com Valdevino Leite Teixeira, viúvo este, de Ana Rosa Leite. Da mesma forma, aos 17 de novembro de 1886, viu seu filho José Joaquim Carneiro contrair núpcias com Maria Joaquina da Conceição, filha de José Antônio Carneiro e Maria Joaquina da Conceição (Livro de Registro de Matrimônios da Paróquia de São Vicente de Lavras, 1884-1891, p. 37).     
Outras considerações a despeito de Manoel Joaquim Carneiro, notável figura da historiografia aurorense, sobretudo política, serão anotadas  em textos que se seguirão.



Trechos extraídos de obra em elaboração.