sábado, 16 de maio de 2020

A guerra pelo poder em Aurora (CE): Cândidos x Leites e o ataque ao coronel Teixeira em 1914.


Aspecto da rua do Comércio. Fonte: site do IBGE.

No ano de 1908 chefiava a pequena vila d’Aurora, antiga Venda, o coronel Antônio Leite Teixeira Neto (Totonho Leite ou Totonho do Monte Alegre) – intendente municipal entre 1907 e 1908. Predominava, na época, o poderio estabelecido por Domingos Leite Furtado, chefe absoluto de Milagres e de grande prestígio ante os demais potentados do Cariri cearense, dentre eles, José Inácio do Barro, um de seus aliados principais.
surgindo desacordos entre os chefetes citados, tendo em vista a demarcação das terras do sítio Coxá, dada pelo padre Cícero Romão Batista, proprietário, a Floro Bartolomeu da Costa, esta incumbência, Cândido Ribeiro Campos, ou Cel. Cândido do Pavão, homem da confiança de Domingos Furtado – assim como do Pe. Cícero – foi aproveitado para desabafo, nesta ocasião. Acentue-se já ser desafeto do coronel Teixeira Neto, Cândido do Pavão, citado.
Passava-se o mês de dezembro de 1908, quando o Cel. Teixeira Neto foi avisado sobre um grupo de cangaceiros, que em número estimado de 400, guiados por Cândido, comandados e fomentados por José Inácio do Barro e fornecidos por Domingos Furtado, fazer-lhe ia a deposição na vila d’Aurora.
Não dispunha Teixeira Neto de elementos suficientes para reação (embora tivesse recebido do Governo do Estado ordem para receber destacamentos de Lavras e Iguatu), resolvendo aconselhar a população a abandonar a vila, o que fez rapidamente, parte dos residentes, devido à aproximação da horda de celerados. Todos os seus haveres, assim como os da população ficaram efetivamente a mercê dos bandidos.
Neste mesmo dia (23 de dezembro de 1908), pelas quatro horas da tarde, foi invadida a vila.
Os algozes, não encontrando os inimigos para resistência, ordenaram logo proceder ao saque nas casas comerciais, sendo as principais, as seguintes: Cícero Calixto de Araújo, Sebastião Alves Pereira, Emídio Cabral, José Cabral, Manoel de Barros e a do coronel Paulo Gonçalves Ferreira, sendo os prejuízos avaliados em centenas de contos de réis.
No dia seguinte, data em que as famílias estariam reunindo-se para comemorar o Natal, os cangaceiros arrombaram quase todas as residências, roubando tudo o quanto puderam conduzir. Cristaleiras, mesas e cadeiras foram quebradas e atiradas às ruas, sendo depois incendiadas, gerando na pequena urbe, cenário desolador.
Após o saque da vila, foram divididos os cangaceiros em alguns grupos, tendo à frente de cada um, pessoa da confiança de Cândido: Jose dos Santos, Raimundo dos Santos e Joaquim dos Santos, seus cunhados; Ernesto da Pamonha, José Dantas, e os irmãos Paulinos (João, Antônio e Zinho) seus sobrinhos, seguindo cada um o destino apontado.
Em tempo: Raimundo dos Santos, citado, fora o mesmo que, em certa ocasião, viu seu sobrinho João Paulino, motivado por insatisfação, desfechar-lhe três tiros de revolver, fazendo-o tombar por terra. Por grande felicidade conseguiu escapar da morte Raimundo dos Santos, tendo recebido como sequela, uma lesão na perna que o deixou aleijado.
Para o sítio Monte Alegre, propriedade do Cel. Teixeira Neto, na passagem da antiga estrada que liga o município ao Estado da Paraíba, seguiu o grupo de Raimundo dos Santos que, ali chegando, comete grandes depredações, incendiando armazéns de cereais, a bolandeira, cercados e a casa de residência.
Para o sítio Gerimum, propriedade do coronel Antônio Leite Gonçalves (aliado político e sobrinho de Teixeira Neto), seguiu o grupo de José dos Santos, que como o outro, praticou as violências já citadas. No Sítio Barreiro, também de Antônio Leite Gonçalves, se apoderaram do gado ali existente, conduzindo a boiada para o consumo próprio, sendo de notar, conforme consta em O Ceará (Fortaleza, 25 de agosto de 1928, p.4), roubo de grande quantidade de fumo, que foi retirado do armazém e transportado ao Sítio Taveira, o qual, depois, foi enviado à venda para a cidade de Cascavel.
Os demais grupos seguiram para as propriedades Jitirana e Japão, ainda de Antônio Leite Gonçalves, as quais foram também saqueadas e incendiadas. A propósito, o citado Antônio Leite Gonçalves era o primeiro filho de um total de 16 do único casamento do coronel Barnabé Leite Teixeira com Maria Leite de Figueiredo (Maria Joaquina do Amor Divino). Barnabé, morador no sítio Barro Vermelho e falecido em 1903, era irmão dos coronéis Antônio Leite Teixeira Neto e Manoel Teixeira Leite (Cel. Teixeira) – citado adiante – e foi uma das figuras sociais e políticas de maior envergadura da história de Aurora; antigo delegado municipal (1862) e presidente da Câmara da vila (1890).
Voltando ao ataque de 1908, finalmente foram saqueadas as propriedades de Joaquim Miguel (Joaquim Gonçalves Ferreira), Manoel Carneiro Guerra e outros, cujos prejuízos foram calculados em mais de trezentos contos de reis.
Figura de destaque na política local dentre os deportados por Cândido, logo que assumiu a chefia do município, estava o major Manoel Gonçalves Ferreira (o segundo, de três com o mesmo nome), irmão do coronel Paulo Gonçalves. O mesmo veio a se retirar para o Amazonas, onde chegou ainda a atuar na política, vindo a falecer ausente da família.
Decorreu a truculenta gestão de Cândido Ribeiro Campos, aos moldes dos governos municipais do período coronelístico no Nordeste do Brasil, até 1914, época em que rebentou a ruidosa revolução de Juazeiro. Com a mudança no governo do Estado após a queda de Franco Rabelo, foram entregues os destinos de Aurora ao coronel Manoel Teixeira Leite (Cel. Teixeira), irmão de Antônio Leite Teixeira Neto. Atente-se ao fato de o Cel. Teixeira ter sido o primeiro prefeito do município, já que, a partir de 9 de outubro de 1914, por força da Lei Estadual nº 1.794, foi extinta a função de intendente, passando, em substituição, a existir a figura do prefeito municipal.
Cândido, insatisfeito com a posse e administração do coronel Teixeira, estudou meios de galgar novamente o poder. Julgando que os troféus da vitória fossem ainda o bacamarte, reuniu a parentada e concertou planos.
Decorreram-se alguns dias de 1914, quando na madrugada de 11 de julho, a população da pequena vila d’Aurora foi novamente despertada por fuzilaria terrível. Era o ataque dos Cândidos e santos (Paulinos), à residência do coronel Teixeira, que não oferecendo resistência, tratou de fugir, e saltando uma janela, recebeu ferimento de bala de rifle no pé direito. Com a fuga de Teixeira, foi invadida a casa, ocasião em que fazia uso de arma de fogo a sua filha, Antônia Leite, reconhecida, logo depois, pelo ato de bravura. Neste ínterim, chegando grande parte dos parentes, houve luta armada, e depois de cerca de quatro horas, retiraram-se em debandada, os invasores.
Quanto à casa invadida, ainda hoje está erguida, apesar de desfigurada a fachada. Localiza-se na praça da Matriz (antiga rua do Quadro), centro de Aurora e lá funciona um restaurante (Churrascaria do Regivaldo). Este imóvel, que se avizinhava à esquerda com a casa de José Leite Teixeira e à direita com a casa do Professor Luiz Gonçalves Maciel foi adquirida por Manoel Teixeira a Hermenegildo de Sá Cavalcante (o primeiro deste nome) e sua mulher Dulce Emídia de Macêdo, pelo valor de duzentos mil réis, conforme registrado no livro de notas do Cartório da vila d’Aurora (Livro 1, 1890-1892, p.12-16), assinado pelo tabelião Casemiro Bezerra de Maria. No instrumento de escritura pública datado de 16 de outubro de 1890, aponta-se:

“(...) a compra de uma casa de morada encravada no patrimônio do Senhor Menino Deus da Vila d’Aurora, feita de tijolo e encoberta de telhas, com três portas e uma janela de frente, localizada na Rua do Quadro da mesma vila da Aurora, Comarca de Lavras, Estado do Ceará (...)”.

            Outros desentendimentos experimentaram Cândidos e Leites durante a gestão também truculenta do Cel. Teixeira em Aurora (1914-1919). Embora líder do Executivo, Teixeira amargou serrada oposição, já que atuava como presidente da Câmara Municipal, neste período, Manoel Ribeiro Campos, irmão de Cândido. Além do presidente, a Câmara era formada por mais quatro vereadores que se identificavam como correligionários dos Cândidos: José Cabral de Almeida (vice), Rubem Arrais Maia (secretário – que substituíra o também aliado Antônio José Ferreira), Raimundo Bernardo de Souza e Afonso Monteiro Damasceno. Apenas os vereadores Antônio Bezerra dos Santos e Raimundo Ferreira de Lira eram aliados do Cel. Teixeira.
Como prova disto, aponta-se o que ocorreu na sessão extraordinária da Câmara de Aurora de 30 de março de 1915, em que informaram ao presidente do Estado, por meio de ofício, sobre o “procedimento arbitrário” do prefeito Cel. Teixeira, que não permitia a colaboração da Câmara no “destino e engrandecimento do Município”, cientificando, o referido presidente, ser o cidadão Manoel Teixeira Leite “em tudo contrário aos lampejos de prosperidades, tão necessários aos habitantes da terra”.
Sete meses depois (21 de outubro do mesmo ano), em ata de seção extraordinária da Câmara, Manoel Ribeiro Campos deixa escrito sobre a ausência, à reunião, do prefeito Manoel Teixeira Leite, que fora convidado a tratar dos atos de sua gestão no ano anterior, assim como da elaboração da proposta de orçamento para o ano seguinte (1916). Afirma o dirigente da Câmara, ter o prefeito se “esquivado de cooperar para o engrandecimento e boa organização das coisas”.
Terminado o mandato do Cel. Teixeira, assumia como prefeito Antônio Landim de Macedo, ocasião em que saiam do anonimato em Aurora, os Macêdos, aliados dos Leites e Gonçalves, para frequentarem em regime de rodízio, altos cargos na administração do município, tanto de indicação do governo estadual, como de escrutínação.  
Findos os dois mandatos citados, Cândido Ribeiro Campos, obstinado na política, por intermédio de Floro Bartolomeu, deputado federal eleito em fevereiro de 1921, com sua ajuda, inclusive, no município, conseguiu novamente a Prefeitura de Aurora, governando-a de 1921 a 1926, mas perdendo a eleição subsequente para José Gonçalves Leite, candidato dos Leites Gonçalves apoiado também pelos Arrudas e Macêdos. Os velhos aurorenses, mais em dia com os acontecimentos passados da terra de origem, afirmam terem sido numerosos os assassinatos, roubos e demais crimes durante o período da segunda administração de Cândido, sem que fossem tomadas muitas providências.
Dentre os crimes de homicídio que ficaram impunes, cita-se o de José Paulino dos Santos (Zim), sobrinho de Cândido, que assassinou o primo Pedro Saraiva dos Santos na estrada do sítio Carro Quebrado em 1925, e que ficou somente em corpo de delito, o processo, tendo sido fechado, somente na administração de José Gonçalves Leite, quando exerciam os cargos de juiz e delegado o Dr. José Garrido e o tenente Caminha, respectivamente.
Por fim e fazendo alusão ao ano anterior de 1917, observou-se em Aurora, que por questões de terra pendentes e “para não incomodar a justiça”, decidiram, alguns membros da família Santos, resolvê-las, amparados pela lei tradicional do bacamarte, tendo sido este, outro episódio tremendo. Travaram luta entre si, resultando três mortes, sendo: o velho José dos Santos, com 80 anos de idade, José dos Santos (José da Bestinha) e um outro membro do clã, sobre o qual falaremos em momento oportuno.

Juazeiro do Norte, Ceará, 15 de maio de 2020.

João Tavares Calixto Júnior

Universidade Regional do Cariri – URCA
Instituto Cultural do Cariri – ICC
Academia Lavrense de Letras – ALL
Academia Brasileira de Letras e Artes do Cangaço - ABLAC